segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Segunda Geração dos "Black Blocs" No Brasil.


São Paulo, junho de 1917. Milhares de operários, na maioria formada por imigrantes espanhóis e italianos, saem às ruas da cidade na maior greve vista até então no Brasil para protestar contra as más condições de trabalho. Depois da morte de um sapateiro espanhol pela polícia, a agitação se espalha, as forças públicas são obrigadas a recuar e a sede do governo é transferida para o interior por falta de garantias de segurança na capital. Em poucos dias os patrões são levados à capitulação, aceitam reduzir a carga horária, aumentar salários e não mais explorar mão de obra infantil. Meses depois, operários do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul replicam a estratégia com sucesso. Nascia o movimento sindical brasileiro.

Corta para São Paulo, junho de 2013. Dezenas de jovens com os rostos cobertos por máscaras de lã e camisetas tentam invadir a prefeitura, incendeiam um carro da TV Record, destroem agências bancárias e concessionárias de veículos em um protesto contra o aumento da tarifa nos transportes públicos. Dias depois o prefeito e o governador capitulam e anunciam a revogação do aumento.
 Em menos de um mês a estratégia era replicada em dezenas de cidades brasileiras. Em São Paulo, no dia 11 de julho, um grupo de 30 pessoas se reuniria para organizar as próximas ações, entre eles jovens que viram os protestos pela internet e decidiram aderir. Eles fazem parte da segunda geração de manifestantes que usam o método de ativismo político conhecido como Black Bloc.

O ponto em comum entre os jovens ativistas Black Bloc de 2013 e os imigrantes que fizeram a greve de 1917 é o anarquismo, corrente ideológica surgida na Europa em meados do século XIX e que tem como objetivo principal o combate a qualquer forma de autoridade, seja ela política, policial, familiar, religiosa ou financeira.
"Eu já participava de grupos de estudos sobre anarquismo desde 2011 mas só parti para o Black Bloc quando vi os protestos na TV", disse Paulo (nome fictício), universitário de 23 anos que vive com os pais na Zona Norte de São Paulo.
Taxados de vândalos e baderneiros por parte da grande mídia, presos e processados pelo Estado durante os protestos, os ativistas do Black Bloc são quase na totalidade militantes anarquistas das mais variadas classes sociais, níveis de escolaridade e faixas etárias. Entre eles estão professores, profissionais liberais, estudantes e trabalhadores em geral.
A violência social, policial e da mídia fez nascer os Black Blocs no mundo como uma resposta politico militar anarquista", disse ele, por email, deixando claro que não um é um dos adeptos da estratégia.
Por trás das máscaras e lenços pretos, estão jovens que defendem valores como solidariedade, liberdade, bem estar social e igualdade, trabalham e participam de grupos de estudos sobre anarquismo em locais como o tradicional Centro de Cultura Popular, fundado em 1938, e a Casa Mafalda.
Ali eles recebem aulas e material teórico sobre os grandes pensadores anarquistas como o russo Mikhail Bakunin (1814-1876), o francês Pierre Proudhon (1809-1865) e o italiano Errico Malatesta (1853-1932).
É de Malatesta a palavra de ordem dos Black Blocs, "a violência é infelizmente necessária para resistir à violência adversa" e de Proudhon a frase pichada em dezenas de agências bancárias pelo Centro, "a propriedade é um roubo".
"Estudamos a Greve Geral de 1917, a Colônia Cecília (comunidade anarquista criada no Paraná no final do século XIX), a Revoada dos Galinhas Verdes (quando anarquistas, comunistas e socialistas se uniram para enfrentar os integralistas em 1934)", explicou Gerson, de 21 anos.
Vestido todo de preto, capuz e com um lenço estampado cobrindo o rosto, Gerson era um dos manifestantes com imagem mais ameaçadora no protesto contra a violência policial da última quinta-feira. Bastaram alguns minutos de conversa, no entanto, para se mostrar um rapaz afável, de fala mansa e sorriso fácil que mora com a família no Centro e trabalha como empacotador em uma grande rede de supermercados, "um grande símbolo do capital", segundo ele próprio.
"Um dos alvos do anarquismo é a carestia e é contra isso que estou protestando. Está tudo caro demais. Principalmente o refrigerante", disse ele.
Muitos deles chegaram ao anarquismo por meio do punk rock. É o caso de Gabriel, um catador de material reciclável de 28 anos que mora em Pinheiros. "Lá em casa o pessoal mais velho ouvia DFC, Kolera, Olho Seco, Replicantes (bandas nacionais dos anos 80) e foi por aí que eu entrei nessa", disse ele.
Isso explica o fato de muitos, principalmente os mais jovens, tratarem temas políticos como se fossem parte da cultura pop digital. Durante a tentativa de invasão da Câmara, quarta-feira, um dos mascarados recebidos por José Américo se queixou da "caretice socialista" de militantes do PSTU que negociavam com o vereador.
Esses caras aí do PSTU não estão com nada. É tudo Lenin, Trotski, tudo baboseira autoritária comunista. O negócio é Bakunin!", proclamou.

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