sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Parem de jogar cadáveres na minha porta...





Parem de jogar cadáveres na minha porta. Tenho que sair - respirar.
Estou seguindo para os jardins de Allambra a ouvir o que diz a água.
Daquelas fontes e acompanhar o desenho imperturbável dos Zeliges. Não me venham com jornais sangrentos sob os braços.
Parem de roubar meu gado, de invadir meu teto e de semear pregos por onde passo. Estou em Essauíra, na costa do Marrocos, olhando o mar. Ou em Minas, contemplando as montanhas ao redor de diamantina. Não me tragam o odorento lixo da estupidez urbana.
Parem de atirar em minha sombra e abocanhar meu texto. Estou tornando a Delfos naquela manhã de neblinas, ouvindo.
O que me diz o oráculo em surdina. Ainda agora embarquei para o palácio Topkapi, frente ao Bósforo, quando tentaram me esfaquear na esquina. Jamais permitirei que quebrem as porcelanas e roubem a gigantesca esmeralda na real vitrina.
Não me chamem para a reunião de condomínio. Estou nos campos da Toscana, onde a gigante mão de Deus penteia os montes.
E minha alma se sente pequenina. Dei de mão comendas e insígnias.
Não tenho mais que na praça erguer protestos e distribuir esmolas não é mais a minha sina. Acabo de entrar no pavilhão da harmonia preservada e me liberto - na cidade proibida na China. Não adianta o clamor de burocráticos compromissos nem vossa ira. Tenho 32 (trinta e dois) anos,
saí para nadar naquele açude atrás dos morros e vou pescar a minha única e inesquecível traíra. Parem de jogar cadáveres na minha porta, na minha mesa, na minha cama dificultando que alcance o corpo da mulher que amo. Afastem de mim o meu, o vosso cálice. Impossível ficar no tempo que me coube. O tempo todo.
Preciso repousar num campo de tulipas reaprendendo a ver o que era o mundo antes de, como um sísifo moderno, desesperado, julgar que o tinha que carregar.

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